PRODUÇÃO CIENTÍFICA, A ACTIVIDADE LATENTE DAS UNIVERSIDADES ANGOLANAS

A articulação das tarefas da universidade deve constituir-se num desafio constante para a estabilidade da própria universidade. Assentar a universidade na tríplice Ensino, Pesquisa e Extensão, pressupõe empenho das instituições afins e responsabilização dos docentes da sua razão na universidade.
É evidente que a produção científica deve assentar-se na pesquisa, pois, não há produtividade sem pesquisa. Desta feita, a aparição do presente texto emana por um lado, do contributo da necessidade constante à reflexão sobre a produção científica na universidade, pois, percebemos que a pesquisa, a produtividade dos professores deve insuflar o bom andamento das outras actividades a ela inerente. Por outro lado, sente-se que a universidade continua distante da sociedade (do cidadão).
Neste quadro, a figura principal é o professor e “ […] cada dia que oferecemos condições para que nossos professores vejam a realidade tal qual de facto ela é e aceitem plenamente, estaremos ganhando pontos” (Balzan, 1982 apud LÜDKE, 2008 et al, p.79), visto que, a cada dia-a-dia atravessa o pensamento a necessidade de se repensar sobre as tarefas da universidade angolana, notadamente a parte que assegura a produção científica.
Ficamos com impressão de que a parte académica (didáctica) na universidade é muito mais dinâmica em detrimento da científica. E quando assim acontece a pesquisa torna-se diminuta e consequentemente nada ou quase nada se produz e não há o que ensinar a menos que se repasse produções alheias.
A pesquisa é uma actividade diária da universidade. Quando não se pesquisa, não se produz e o que se pode verificar é um vexame com o ensino, pois, “quem pesquisa tem o que ensinar, deve ensinar, porque ‘ensina’ a produzir, não a copiar. Quem não pesquisa, nada tem a ensinar, pois apenas ensina a copiar” Demo (2007, p.128).
Num estudo por nós realizado recentemente (em Maio, 2009) à 100 professores a tempo integral na Universidade Agostinho Neto, revelou que a produção científica feita nas unidades orgânicas da UAN ainda é fraca e alguns professores consideram-na nula. Isto é, 87.5% dos professores considera débil e 26.5% dos pesquisados percebem que a produção científica é nula. Há no entanto, aqueles que dizem que a produção científica nas unidades orgânicas é positiva. Sendo que os resultados do estudo revelaram que 54% dos pesquisados consideram satisfatória e 20% consideram boa.
Pelo que se pode aperceber, há um deficit na universidade em matéria de produção científica, e isto parece-nos preocupante. A partir do momento em que tomamos consciência de que a pesquisa é o «oxigénio» da universidade, esta deve ser geradora do conhecimento próprio para satisfação de problemas de vária índole e não ficar sempre a espera que os países mais avançados venham sempre resolver os nossos problemas, porque produzem e investem nos seus quadros científicos. Salientamos que, as apreciações apresentadas estão desprovidas de qualquer tendência oposicionista à cooperação com instituições do ensino superior idóneas.
Ademais, a não produção ou a débil produtividade dos professores, de acordo com o nosso estudo prende-se a um conjunto de factores intrínsecos e extrínsecos aos docentes e a universidade de forma geral. Por exemplo, a ausência de condições adequadas de trabalho, a falta de apoio aos poucos docentes que produzem e publicam, a desproporção e atrasos salariais. Ainda de acordo o nosso estudo muitos docentes dedicam pouco tempo à universidade (seus locais de trabalho), o que leva a considerar que os docentes «pululam» em outras actividades remuneratórias, provavelmente a busca de um equilíbrio para a vida.
Este quadro é de veras preocupante para uma universidade que se quer como actual e actuante pois, denuncia ausência da sua real acepção.
No quadro das teorias da motivação, vislumbra-se a teoria dos dois factores ou seja a teoria sobre a motivação no trabalho desenvolvida por Frederick Herzberg cujos factores de higiene estão relacionados com os factores de motivação, e por aquilo que os professores revelam como «handicap» da sua prestabilidade, acosta-se de igual modo a teoria das necessidades de Abraham Maslow, isto é a busca da satisfação das necessidades de baixo nível pode retardar a satisfação das necessidades de alto nível.
E segundo Herzberg (1950 -1960) apud Morin e Aubé (2009, p.100-101) as condições de trabalho, as relações com os colegas, o estilo de gestão, a justiça e a equidade das práticas organizacionais, a situação salarial, o sentimento de segurança, a percepção de controlo podem condicionar o interesse do trabalhador em crescer, tal como a necessidade de se aperfeiçoar, de poder se actualizar.
Deste modo, nos parece que o docente pode sair do «poço» em que se encontra se lhe for dada uma remuneração completa que segundo Chiavenato (2008, p.279-280) comporta a remuneração básica (salário mensal ou por hora), os incentivos salariais (bónus, participação dos resultados de uma expedição científica, ou na produção de um trabalho de grande impacto) e de benefícios (como seguro de vida e de saúde).
Na nossa opinião, enquanto o docente continuar a ser biscateiro, dedicar poucas horinhas na instituição da qual é efectivo, a produção científica poderá continuar débil ou nula. Fazer ciência exige tranquilidade e o professor deve estar concentrado para produzir com a própria mão. Segundo Demo (2007, p.132) a elaboração própria implica a que o docente intervenha na realidade pondo em evidência a sua capacidade de pensar crítica e criativamente de forma activa.
Não obstante as intempéries envolventes ao docente universitário angolano, a vida universitária exige do docente o cumprimento do seu papel, de outra forma estar-se-á a assinar o atestado de universidade medíocre. Entretanto, supomos que o docente está consciencializado de que a sua presença na universidade não está veiculada a carreira de funcionalismo público, mas, a de científico académico. Nesta linha, Da Costa (2008, p.111) assinala que “o universitário que não investiga e não ‘produz ciência’ comete um erro profissional grave e auto esvazia o seu estatuto de promotor de valores científicos”. E mais, fica cada vez mais adiado o sonho de se ter um país desenvolvido, pois, segundo Manuel (1997, p.157) “poderemos ficar entregues aos desígnios das nações tecnologicamente mais evoluídas, como bonecos de argila húmida, nas mãos de um oleiro enquanto perdurar e aprofundar-se a dependência científica e tecnológica dos nossos países”.
Portanto, uma universidade pode tornar-se preponderante com a pesquisa, com a produção própria e com entrosamento das suas tarefas se de entre outros aspectos, fazer-se altos investimentos e valorizar os quadros científicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas. 3ªed Rev.Act. Rio de Janeiro: Elsevier. 2008.
DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 14ªed. Petrópolis, R J: Vozes, 2007.
DA COSTA, Paulo J. Luís. Repensar o ensino da metodologia de investigação: uma reflexão centrada nas dificuldades de estudantes universitários. Mérignac: Editions Costa. 2008.
LÜDKE, Menga; CANDU, Vera Maria (org) et al. A Didática em questão. 28ªed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
MANUEL, Carlos Mariano. O Ensino da medicina em Angola. Servicio de Publicaciones de la U. A. H, 1997.
MORIN, Estelle, AUBÉ, Caroline. Psicologia e Gestão. Trad. Maria Helena. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
Por Francisco Caloia

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