PACIÊNCIA SEM LIMITE!

Os leitores dos meus textos, normalmente, estão habituados a encontrar neste espaço textos fundamentalmente didácticos. Com a aparição deste, de certa forma, pode surpreender alguns. Todavia, é ponto assente que, há necessidade, sempre que se justificar (até porque a nossa sociedade é fértil em injustiças sociais) fazer uma ginástica do nosso quotidiano social. Aliás, apresentar propostas de soluções, comentários, trazer ao de cima o nosso quotidiano, é dever de todo o cidadão comprometido com a necessidade do bem-estar não apenas singular, mas também comum.

Paciência sem limite surge da necessidade de um olhar sobre a realidade chocante no atendimento prestado pelos nossos hospitais públicos na Huíla. É visível à vista de qualquer um que acorre e não só, ao hospital Dr. António Agostinho Neto, comummente chamado Hospital Central da Huíla, por sinal com dimensão regional, a maneira como a moral é pisoteada quando a questão é a procura do bem físico (saúde).

O Hospital Central é do povo, portanto, é o maior hospital público da região sul do país. Em 2008 a população aplaudiu a reinauguração do gigante edifício hospital, Hospital Central Dr. António Agostinho Neto, beneficiada de reabilitação estrutural por completo e com novos equipamentos em nome do bem-estar da população. Diga-se, porém, que era oportuno que as pessoas fossem atendidas num hospital com dignidade humana e num país que se diz ser ‘rico. Hoje, é certo que quem para lá vai, pelo menos, apenas para visitar fica radiado pelo novo visual que o hospital apresenta, o que leva a crer à vista de todos que houve realmente um investimento em nome da população e aparentemente leva também a aferir a crença de que os técnicos são novos ou também foram actualizados para a nova realidade do hospital, tanto do ponto de vista em lidar com os novos meios como no respeito e empatia aos pacientes.

É do domínio colectivo que há carência de médicos em Angola e os poucos que existem pouquíssimas vezes ou dificilmente correspondem com a demanda dos serviços que lhes são solicitados em vários domínios e muitas vezes não conseguem mesmo ser suficientemente prestativos aos pacientes que clamam pelos seus serviços. E há uma impressão, segundo o senso comum de que os angolanos adoecem muito, morrem muito, independentemente de já serem poucos do ponto de vista de ocupação territorial. Não é menos verdade que as doenças como a malária, diarreias, tuberculose, saneamento básico que sufocam os países subdesenvolvidos como é Angola, continuam a ceifar vidas. Também, é óbvio que, o flagelo que acomete aos angolanos está associado aos grandes níveis de pobreza que acorrenta maior parte dos angolanos e a ausência de cuidados proactivos para se evitar a corrida frequente ao hospital que muitas vezes desanima do que anima o paciente.

É uma mais-valia o facto do quadro de profissionais médico em hospitais públicos ter aumentado (pese embora ainda não responder a demanda) atendendo à cooperação sobretudo cubana nas várias especialidades de actuação médica, com o intuito de se minimizar a gritante falta de médicos nacionais e prestativos. Ademais, a cooperação dos amigos da terra de Fidel Castro também envolve a educação superior.

Ora, mesmo com o engrossar de mais médicos nas fileiras das actividades médicas e que parecem ser mais experientes e sérios do que os angolanos no respeito, na empatia com os pacientes por vezes nos iludimos. Há que se ter sempre algumas reticências!

Pelo menos, muitos pacientes ainda se queixam da maneira como são atendidos e muitas vezes sentem-se mesmos vilipendiamos e só não reclamam sob pena de não serem consultados pelo médico ou serem ignorados pelo enfermeiro. E como o povo não tem outra alternativa submete-se ao abandalho de que é alvo e para tal lhe é exigido uma paciência sem limites. Aliás, é só se recordar do abandalho sofrido pela jovem falecida Mingota em Luanda em que não lhe havia restado mais nada se não morrer porque lhe foi negada o seu legítimo direito de consulta médica. E o país, o mundo só tomou conhecimento do desumano acontecimento, graças ao facto da família da malogra ter acorrido a portaria da Televisão Pública de Angola, e esta não tinha como não difundir o clamor do desespero de uma família cujo direito lhe foi negado.

Diz-se que a paciência é uma das virtudes que o ser humano deve ter ou desenvolver. Sim! Penso que nisto não há contestação, mas, ser abandalhado em nome da paciência é deselegante, desgastante e contra a deontologia profissional.

É certo que antes do paciente ser submetido a uma consulta pelo médico deve inicialmente fazer a inscrição junto ao (s) enfermeiro (s) e a posterior ser encaminhado ao especialista de acordo o pré diagnóstico. Muitas vezes o que se verifica é que as consultas são marcadas um dia antes do contacto com o médico. E pelo que se diz, as consultas começam às 9h00 da manhã. Mas, na prática não é verdade, isto é só teoria. Fazer consulta no Hospital Central Dr. António Agostinho Neto é preciso estar preparado porque pode-se lá esperar quase toda a manhã ou seja é preciso ter paciência sem limites. E mais, é aconselhável mesmo levar um farnel!

Ao paciente lhe é exigido quer queira quer não, esperar mais de uma, duas ou mais horas sob pena de não fazer a esperada consulta porque o número de doente ou seja a bicha dos que aguardam por uma oportunidade de consulta é enorme, e o médico em apenas duas ou uma hora de trabalho matinal não vai consultar todos. Ao meio dia, ele abandona o consultório para o almoço. E ao paciente lhe é solicitado a exercitar a paciência sem limite de sorte a voltar ao hospital no dia seguinte isto se a sua doença não se agravar de contrário pode aparecer no período da tarde, mas não para uma consulta grátis.

Coitado do paciente que deve voltar ao hospital no dia seguinte porque se quiser fazer consulta no período da tarde terá de pagar. A consulta da tarde é reservada para os VIPs ou seja para aqueles que podem pagar.

E diga-se mesmo que, normalmente quando pagamos para que nos seja prestado algum serviço a atenção é outra, o respeito é outro, somos mais acariciado, enfim sentimo-nos efectivamente nas mãos de alguém com empatia ao nosso problema. Mas, como nem todos se não mesmo a maioria não tem dinheiro para gozar das suas benesses, não tem dinheiro para pagar a consulta VIP, então fica em casa a tarde toda e se tiver ainda algum vigor volta ao hospital no dia seguinte e com a agravante de enfrentar mais uma bicha e por vezes maior que a do dia anterior.

O curioso é que, mesmo no dia seguinte, o paciente ainda corre o risco de não ser consultado porque os médicos estão reunidos em plena horas normais de expediente. Que frustração! É preciso ter paciência sem limite! O paciente espera, espera…para depois lhe ser dito pelo enfermeiro: “o Dr. ainda está reunido, não sei se quando terminar a reunião vai mesmo atender-vos”. Oh! meu Deus!!!... afinal onde estamos? Porquê é que a reunião não pode ser feita no período em que há pouca afluência de pacientes é só mesmo no período matinal em que os pacientes desesperados aguardam por uma oportunidade para serem consultados? É pena que a paciência sem limite, sobretudo nos hospitais público só é forçada ao pacato cidadão, ao pobrezinho que não dispõe de recursos para socorrer-se a uma clínica privada! E esta é uma das realidades oculares! Este é um recado para quem pensa fazer uma consulta no Hospital Central no sentido de lá ir e consciencializado de que pode passar por estas e tantas outras vicissitudes.

No hospital público é precisa ter paciência sem limite e mesmo precisando dos serviços médicos humanamente falando ter paciência sem limite com vilipêndios não me parece ser possível, pelo contrário o doente fica ainda mais doente ou morre!

É extremamente deplorável saber que muitas vezes para se ter a sorte de ser consultado por um médico é preciso ter paciência de três à quatro dias para que a consulta chegue. Por isso, é indispensável apostar, apesar da injusta pobreza, na medicina preventiva para não se correr o risco de ficar mais doente do que se está quando for ao hospital público.

Outra desgraça que só visto porque contado pode parecer uma fábula é o arrepiante cenário no Hospital Pediátrico Pioneiro Zeca do Lubango onde as crianças ficam internadas nos corredores e por vezes os gabinetes os gabinetes são apelados a ceder espaço à mais crianças que acorrem aos serviços hospitalares. E quando chega a altura da compra dos medicamentos começa outra dança para obtê-los. Ademais, os próprios médicos, enfermeiros vêem-se abraços com a falta de meios para acudir o paciente a beirar a morte. E tudo parece normal!

Aqui, ressalta-se a coragem de alguns médicos do hospital pediátrico virem à público a deplorarem a desonra nos nossos hospitais públicos, com destaque no Pediátrico, e isto mesmo foi conferido em entrevista concedida a Rádio Huíla aquando da preparação das primeiras jornadas científicas à realizarem-se nos princípios do mês de Junho de 2010.

A Saúde e a Educação têm sido o sector da vida social que nos discursos, nas entrevistas dos “manda-chuvas”, quando a questão tem a ver com o desenvolvimento do país, os eixos fundamentais para o avanço do país. Porquanto, a realidade objectivo é fiel em demonstrar que o investimentos nestes dois sectores é e exíguo. Urge a revisão orçamental destes sectores e submeter com rigor os mesmos sectores uma fiscalização consequente.

Independentemente do contexto à que Darwin proferia as palavras segundo as quais, conseguimos realizar nossos propósitos economizando os minutos que temos, parece salutar adentrar variadíssimas situações do quotidiano angolano nesta perspectiva. Diante da realidade relatada do subdesenvolvimento e da pobreza injusta a muitos de nós somos forçados, muitos profissionais não só de saúde como da educação e outras áreas da vida social procedem como se fossem donos do tempo ou como se o tempo estivesse em seu domínio (o que seria milagre dos angolanos) e forçam os outros a terem o comportamento desleixado com o tempo. E isto é visível a vista desarmada. Num país onde as instituições (funcionários) não respeitam escrupulosamente o tempo está a condenado a amarrar-se ao subdesenvolvimento, a produtividade fica sempre comprometida e este é um dos pecados de muitos angolanos.

São raras excepções em que instituições públicas respeitam o tempo de início e fim das actividades laborais. Até porque quando chega a altura de largar-se das actividades até não é preciso olhar para o relógio para dizer que já está na hora de saída há um automatismo tal e que por vezes abando-se o local do serviço antes da hora estabelecida.

Devia-se pelo menos aprender com as empresas estrangeiras a operarem no país quanto a questão da pontualidade, respeito pelas horas laborais estabelecidas. Será que queremos continuar a viver mesmo assim? É que as coisas parecem a discorrer de forma normal sob o olhar pávido e sereno daquelas pessoas que aparentam ser e estar mais esclarecidas e que podem jogar um papel importante para uma vida melhor inclusive dos detentores do faça e o queijo! Há visivelmente um egoísmo acentuado nas pessoas. Afinal, que país, que vida queremos ter? Vamos viver no deixa andar, na paciência sem limite? Este comportamento mórbido pode ter um fim.

By Francisco Caloia ALFREDO
28/05/2010

1 comentário:

  1. Olá Dr Caloia.

    Gosto muito dos textos que escreve e encorajo-o a continuar a defender este Povo. Todos nós observamos os vários fenómenos negativos que acontecem no País, mas por várias razões, ficamos calados. Louvo a sua coragem e a preocupação com o nosso Povo.

    Estou consciente que num País onde toda ideia que não for a favor do Governo é vista como vindo da oposição, compreendo bem que não é fácil decidir escrever tais artigos. O que importa é que tem o apoio de grande maioria dos leitores, pois tem sido muito realista.

    Voto de um feliz fim de semana.

    Um abraço.
    Vila

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